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Transtornos de Personalidade – Parte 3 (Grupo C)

Transtornos de Personalidade – Parte 3 (Grupo C)

A partir dos conceitos apresentados anteriormente, nos posts “Temperamento, Caráter e Personalidade”, “Transtornos de Personalidade - Partes 1" e “Transtornos de Personalidade - Partes 2", continuaremos tratando dos Transtornos de Personalidade que se apresentam como padrões de funcionamento global, marcados por comprometimentos comportamental e funcional, e que promovem sofrimento e inadequação social ao indivíduo.

 

Relembramos que o diagnóstico de Transtornos de Personalidade só é possível após avaliação criteriosa de um psiquiatra, a fim de evitar equívocos ou excessiva patologização de quadros incomuns mas não necessariamente classificáveis como transtornos.

De acordo com o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico publicado pela Associação Americana de Psiquiatria), para identificarmos um Transtorno de Personalidade é necessário que haja preenchimento de requisitos básicos, já descritos em “Transtornos de Personalidade - Partes 1 (Introdução e Grupo A)”.

Existem vários tipos de transtornos de personalidade e, de acordo com o DSM-5, são apresentados em 3 grupos principais, denominados A, B e C. Falaremos, a seguir, do terceiro grupo, o grupo C.

 

GRUPO C (“Ansiosos”)

Transtorno da Personalidade Evitativa (Ansiosa)

O indivíduo portador do transtorno da personalidade evitativa apresenta importante inibição social, caracterizada pela impressão de inadequação ou desajeito, além de ser muito sensível a críticas, mesmo quando estas são feitas de maneira construtiva. Por tais dificuldades, ele vê os outros como excessivamente críticos e desaprovadores, o que o mantém sempre desconfortável e em alerta, preocupado com rejeição, desaprovação ou críticas em situações sociais. Tal forma de comportar-se manifesta-se em vários contextos da vida da pessoa, que tende a evitar atividades que envolvam contato interpessoal significativo.

O comprometimento do funcionamento global da pessoa com este transtorno pode ser tal que, por exemplo, ofertas de promoções ou novos desafios podem ser recusados pelo medo do indivíduo de não atender às novas expectativas ou demandas, preocupado com o que os outros pensariam ou falariam. A insegurança pode fazer com que a pessoa tenha dificuldade de fazer novos amigos, “paquerar” ou participar de atividades em grupo, a menos que ela acredite que será recebida de forma positiva e bem aceita, ou perceba demonstração de apoio e atenção que a deixem mais à vontade.

Uma vez que o indivíduo teme ser malvisto ou mal interpretado, a pessoa com quem se relaciona deve conseguir fazê-lo se sentir realmente aceito e validado, e, portanto, a intimidade interpessoal pode ser difícil. Podem mostrar-se reservados, tímidos, quietos, inibidos (do tipo que "entra mudo e sair calado”), com dificuldade de conversar sobre si mesmos. Contêm os sentimentos e opiniões próprios por medo de exposição, do ridículo ou por vergonha. Sempre temem dizer algo “errado” e são sensíveis ao menor sinal de desaprovação ou crítica, podendo facilmente ficar magoados ou muito tristes quando se percebem desaprovados.

Não se afastam e se mantêm “apagados” por desejo próprio, mas gostariam de ter vida social mais ativa e de conseguirem se manifestar com maior desenvoltura, reconhecendo não conseguir fazê-lo, apesar de às vezes não saberem o porquê. Por tais dificuldades, tendem a ter baixa autoestima e se veem como “desinteressantes” ou “estranhos”.

Tendem a ter um estilo de vida restrito, sentindo-se ameaçados e expostos a riscos que percebem exageradamente, devido à sua necessidade de ter certeza e segurança a respeito de certos aspectos, como a roupa que vestem, se são “adequados” para frequentar o lugar, se têm a devida bagagem cultural etc. Chegam a apresentar sintomas somáticos ou usar problemas de menor importância para evitar a exposição às novas situações e pessoas. Uma vez expostos, mantêm-se alertas, avaliando atentamente os movimentos, as falas e as expressões daqueles com quem têm contato, às vezes de forma tão incisiva que chama a atenção, o que os expõe, validando seus temores de serem “esquisitos”. Por seu isolamento, podem ter dificuldade de criar para si uma rede de apoio social capaz de auxiliá-los a lidar com as crises. Quando bem recebidos, podem fantasiar relacionamentos idealizados com os outros, sentindo-se muito feridos e envergonhados quando as pessoas reagem de maneira diferente da esperada.

Podem apresentar os transtornos depressivo, bipolar e de ansiedade, em especial o transtorno de ansiedade social (fobia social), ou desenvolver o transtorno da personalidade dependente, muito apegados e dependentes daquelas poucas pessoas de quem são amigas. Não é raro este transtorno estar associado ao transtorno da personalidade borderline e transtornos de personalidade do Grupo A.

 

Transtorno da Personalidade Dependente

O indivíduo com este transtorno mostra-se submisso e apegado excessivamente nas suas relações interpessoais, com temores a respeito do risco de separação e consequente vulnerabilidade, devidos à impressão de não ser capaz de funcionar adequadamente sem a ajuda de outros. Doença física crônica ou transtorno de ansiedade de separação na infância ou adolescência podem predispor o indivíduo ao desenvolvimento deste transtorno.

Ambivalentes, receosos e com dificuldades para tomar decisões cotidianas, necessitam de conselhos e reasseguramentos; são frequentemente passivos, podendo eleger uma pessoa (pai, mãe ou cônjuge, por exemplo) para tomar a iniciativa e assumir a responsabilidade por boa parte das decisões importantes da sua vida. Quando adolescentes, podem delegar para os seus pais decisões como o que vestir, que curso fazer, quais amigos manter etc., de forma incompatível com a idade ou a situação. Têm dificuldade de expressar discordância às vezes, concordando ou aceitando coisas que consideram erradas ou abusivas para não perder a ajuda ou apoio daqueles de quem se sentem dependentes.

Mesmo competentes e devidamente capacitados, tendem a não iniciar projetos ou fazer coisas de maneirq independente, por carecerem de autoconfiança e acreditarem que precisam de ajuda para fazer melhor. Às vezes, desempenham seu papel perfeitamente e sem ajuda, desde que acreditem que outra pessoa estará supervisionando e aprovando seu trabalho. Podem, até mesmo, quando se percebem competentes ou reconhecidos, recuar e diminuir o seu desempenho, por acreditar que isso levará ao abandono e perda do apoio do qual precisa. Isto diminui a chance de desenvolverem as habilidades necessárias para uma vida independente.

Para manterem-se nesta posição subordinada, podem voluntariar-se para tarefas desagradáveis ou submeter-se ao que os outros desejam, mesmo que discordem ou se saibam abusados, o que tende a manter os relacionamentos desequilibrados ou distorcidos. Além disso, ainda que o relacionamento seja insatisfatório e o outro seja (até mesmo) pouco competente nos cuidados que oferece, sentem-se desconfortáveis ou desamparados quando sós, devido aos temores exagerados de não serem capazes de cuidar de si mesmos. Nestes casos, podem entrar o mais brevemente possível em outro relacionamento em que possam reassumir o padrão de dependência ou dominação.

Pessimistas, com baixa autoestima e autoquestionamentos, tendem a ser autodepreciativos, encarando críticas e desaprovação como prova de seu pouco valor. Por esta razão, evitam cargos de responsabilidade e ficam ansiosos diante da necessidade de tomar decisões.

Existem algumas situações que podem se assemelhar às do transtorno da personalidade dependente, mesmo sendo muito diferentes. Por exemplo, alguém que apresenta uma condição ou incapacidade médica grave tem dificuldade em assumir uma responsabilidade que vai além daquilo que está normalmente associado a essa condição ou incapacidade. Se as preocupações relativas às consequências de expressar discordância ou decidir por si só forem realistas (por exemplo, medos reais de punição de um cônjuge ou cuidador abusivo), isto também não caracteriza um transtorno da personalidade dependente.

 

Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva

A característica essencial do transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva é uma preocupação com ordem, perfeccionismo e controle mental e interpessoal, que, ao contrário do desejado, pode chegar a comprometer aspectos como flexibilidade, disponibilidade e eficiência. Presente em vários contextos da vida do indivíduo, este padrão tem por finalidade manter uma sensação de controle por meio da atenção cuidadosa a regras, pequenos detalhes, procedimentos, listas, cronogramas ou formas, o que faz com que frequentemente o objetivo principal da atividade demore mais para ser atingido, seja prejudicado ou perdido.

Excessivamente cuidadosas e propensas à repetição, tais pessoas prestam extraordinária atenção aos detalhes, conferindo repetidas vezes o que é feito na busca por possíveis erros, o que leva à distribuição ineficiente do tempo necessário para as tarefas. Os atrasos e as inconveniências resultantes desse comportamento podem incomodar bastante os outros e até mesmo impedir a realização (parcial ou completa) do proposto. O perfeccionismo e os padrões elevados de desempenho autoimpostos podem causar disfunção e sofrimento significativo a esses indivíduos. Com isso, prazos não são atendidos e aspectos da sua vida que não são o foco da atividade podem desorganizar-se.

Pessoas com esse transtorno demonstram dedicação excessiva ao trabalho e à produtividade, a ponto de prejudicar a convivência familiar, atividades de lazer e amizades. Tendem a relutar em delegar tarefas ou em trabalhar em equipe. De maneira teimosa e injustificada, insistem que tudo precisa ser feito a seu modo e que as pessoas têm de se conformar com sua maneira de fazer as coisas; dão instruções bastante detalhadas sobre como tudo deve ser feito e ficam surpresos e irritados quando outros sugerem alternativas válidas. Em outras ocasiões, podem rejeitar ofertas de ajuda mesmo quando atrasados, pois consideram que ninguém pode fazer as coisas tão bem quanto eles mesmos. Esse comportamento não é explicado por necessidade financeira, mas pelo fato de o indivíduo não conseguir perceber que não é necessário agir daquela forma, tendo a sensação de que não tem tempo para tirar folgas ou férias, tampouco se dedicar a atividades agradáveis. Quando estão em lazer ou férias, podem ficar desconfortáveis, com a sensação de que estão "desperdiçando” tempo. Pode haver muita concentração também em tarefas domiciliares (como limpeza ou organização). Passatempos e atividades de recreação são levados com organização criteriosa e trabalho duro, com cobrança de um desempenho perfeito, mesmo nessas atividades. Na sua vivência, jogos e brincadeiras são transformados em tarefas estruturadas e ele cobra não apenas de si, mas também dos outros.

Indivíduos com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva podem ser excessivamente conscienciosos, escrupulosos e inflexíveis acerca de assuntos de moralidade, ética ou valores, exigindo de si e dos outros seguir princípios morais rígidos e padrões altos de desempenho, sendo às vezes críticos impiedosos em relação aos próprios erros. Indivíduos com este transtorno respeitam autoridade e regras com extrema consideração, e insistem em obedecê-las de uma maneira não justificada por identificação cultural ou religiosa. É possível que a pessoa (e às vezes até quem a cerca) perceba isto como uma virtude, e não um problema, apesar das situações extremas em que eventualmente possa se encontrar.

As pessoas com este transtorno podem ser incapazes de descartar objetos usados ou sem valor, mesmo na ausência de valor sentimental, mas frequentemente não admitem ser acumuladores. Podem ser miseráveis, mesquinhos e manter um padrão de vida bastante inferior ao que podem sustentar, acreditando que os gastos devem ser rigidamente controlados para o caso de haver problemas futuros.

Planejam eventos e ações nos mínimos detalhes e não se dispõem a avaliar possíveis mudanças, por serem pouco flexíveis. Têm verdadeira dificuldade de reconhecer os pontos de vista dos outros ou ceder, ainda que isto possa ser interessante para eles mesmos.

Quando diante de situações de ambivalência ou nas quais não há um “certo ou errado” claro, podem ter muita dificuldade de tomar uma decisão, fazendo-o de forma demorada e desgastante. Têm propensão ao aborrecimento ou à raiva em situações nas quais não conseguem manter controle do seu ambiente físico ou interpessoal, embora a raiva possa não se manifestar de forma direta, mesmo que o ocorrido seja relembrado por algum tempo. Podem exibir deferência excessiva a uma autoridade que respeitam e apresentar resistência excessiva a uma que não respeitam.

Mais reservados, tendem a manifestar afeto de modo controlado ou artificial, e podem sentir desconforto na presença de outros que se expressam com emoção, pois costumam ser mais sérios e formais. Têm dificuldade de expressar sentimentos amorosos e raramente fazem elogios, tendendo a ser formais quando os fazem. Tomam muito cuidado com o que falam, preocupando-se com a lógica e com o intelecto. Podem ter dificuldades e sofrimento no trabalho, sobretudo quando confrontados com novas situações que exijam flexibilidade e transigência.

Pessoas com transtornos de ansiedade, inclusive transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social (fobia social), fobias específicas e transtornos alimentares, bem como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), têm maior chance de apresentar personalidades que preencham os critérios para diagnósticos do transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva. Ainda assim, parece que a maioria das pessoas com TOC não apresenta um padrão de comportamento deste tipo.

 

Em cada um dos transtornos de personalidade descritos, há possibilidade da ocorrência de quadros de gravidade variável. Vários dos indivíduos podem apresentar certo grau de disfunção e sofrimento, mas ainda assim constituir família e relacionamentos duradouros, além de manter razoável desempenho funcional.

 

 

Texto escrito por:
• Anny Karinna P.M. Menezes – Médica Psiquiatra e Analista do Comportamento
   CRM 89012 - RQE 29874

 

Referência
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

 


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