A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico que apresenta caracteristicamente sintomas psicóticos e uma evolução crônica, potencialmente progressiva. Neste texto, apresentaremos aspectos importantes relacionados a este transtorno, conforme descrito no DSM-5 (o manual de diagnósticos utilizado pela Associação de Psiquiatria Americana – APA).
Para a identificação da esquizofrenia, é essencial preencher alguns critérios, sendo, os dois principais:
CRITÉRIO A
Dois (ou mais) dos itens a seguir, cada um presente por uma quantidade significativa de tempo durante um período de um mês (ou menos, se tratados com sucesso):
1. Delírios.
2. Alucinações.
3. Discurso desorganizado.
4. Comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico (no qual a pessoa assume uma posição rígida/imóvel por algumas horas, dias ou semanas).
5. Sintomas negativos (expressão emocional diminuída) ou grande falta de vontade.
Pelo menos um dos itens 1, 2 ou 3 deve acontecer obrigatoriamente.
CRITÉRIO B
Por um período significativo de tempo, desde o aparecimento da perturbação, o trabalho, as relações interpessoais ou o autocuidado estão acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início do quadro. Caso o início se dê na infância ou adolescência, observa-se uma incapacidade de se atingir o nível esperado de funcionamento interpessoal, acadêmico ou profissional.
Tais sintomas podem ser, às vezes, discretos - na forma, por exemplo, de crenças esquisitas, ou experiências perceptivas incomuns – o que os torna difíceis de identificar sem a ajuda de um profissional e faz com que os indivíduos cheguem até o consultório do psiquiatra com meses de evolução do quadro.
Para a CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), são necessários pelo menos 6 meses com sintomas para “fechar” o diagnóstico de esquizofrenia. Atualmente não há exames laboratoriais, radiológicos ou testes psicométricos capazes de identificar o transtorno, por isso é necessário sempre procurar um psiquiatra que possa confirmar o seu diagnóstico através de entrevista e exame psíquico detalhados.
As características psicóticas da esquizofrenia costumam surgir entre o fim da adolescência e meados dos 30 anos. O início antes da adolescência é pouco frequente. A idade de pico do início do primeiro episódio psicótico é entre o início e a metade da faixa dos 20 anos para o sexo masculino e fim dos 20 anos para o feminino.
A idade precoce de início é tradicionalmente vista como associada a uma evolução ruim, mas esta evolução, possivelmente, também se relaciona com o gênero. Os indivíduos do sexo masculino costumam apresentar uma adaptação pior às demandas comuns da vida, rendimento escolar mais baixo, sintomas negativos e prejuízo cognitivo mais proeminentes, além de, em geral, terem um prognóstico pior.
Os sintomas característicos deste transtorno incluem prejuízos do raciocínio, pensamento, linguagem, percepção e memória, além de sintomas comportamentais e emocionais. Contudo, nenhum desses apresenta-se exclusivamente neste quadro. O que se vê, é um conjunto de sinais e sintomas associados a um funcionamento profissional ou social prejudicado.
Adicionalmente, pode haver diferenças grandes entre os sinais e sintomas nos indivíduos, pois trata-se de uma síndrome clínica heterogênea. A disfunção não parece ser um resultado direto de uma única destas características.
Sintomas mais leves, bastante inespecíficos, costumam anteceder a fase ativa e pode haver, após o tratamento, a manutenção de sintomas residuais, caracterizados por formas leves ou em níveis subclínicos de alucinações ou delírios. Os indivíduos podem então manifestar uma variedade de crenças incomuns ou estranhas que não sejam de proporções delirantes; podem ter experiências perceptivas raras (p. ex., sentir a presença de uma pessoa invisível); seu discurso pode ser compreensível, porém vago e seu comportamento pode ser incomum, mas não grosseiramente desorganizado (p. ex., murmurar em público). Prejuízos cognitivos podem persistir quando outros sintomas estão em remissão, contribuindo para a incapacidade relacionada à doença.
O início do quadro pode ser abrupto ou lento, mas a maioria dos indivíduos manifesta um desenvolvimento gradativo de uma variedade de sinais e sintomas clinicamente importantes. Metade dessas pessoas queixam-se de sintomas depressivos. Nas fases prodrômica (que ocorre antes da apresentação franca dos sintomas) e residual, indivíduos que eram socialmente ativos podem mostrar-se desajustados em relação a rotinas anteriores.
Esses comportamentos são frequentemente o primeiro sinal de um transtorno e, às vezes, a pessoa descreve uma sensação de estranheza que não consegue explicar. Sintomas de humor e episódios completos de humor são comuns na esquizofrenia e podem ocorrer simultaneamente com os sintomas da fase ativa.
A avaliação dos sintomas dos domínios cognição, depressão e mania é muito importante para que seja feito um bom diagnóstico diferencial. Indivíduos com esquizofrenia podem exibir afeto inadequado (p. ex., rir na ausência de um estímulo apropriado); mudança repentina e transitória de humor que pode assumir a forma de depressão, ansiedade ou raiva; padrão de sono perturbado (p. ex., sono durante o dia e atividade durante a noite) e falta de interesse em alimentar-se ou recusa da comida.
Despersonalização (impressão de não ser a ele mesmo quem está vivendo aquela situação), desrealização (impressão de estar em outra realidade, como num filme) e preocupações somáticas (preocupações exageradas com o corpo) podem ocorrer e por vezes atingem proporções delirantes. Ansiedade e fobias são comuns.
Alguns indivíduos mostram dificuldade para deduzir quais são as intenções dos outros, podendo manter-se sob controle de eventos ou estímulos irrelevantes e depois interpretá-los como significativos, talvez levando à geração de delírios que expliquem aquela percepção. Esses prejuízos costumam se manter ao longo do tempo.
Também não é incomum não haver consciência do transtorno, o que inclui não perceber os sintomas e isto pode estar presente em todo o curso da doença.
Não perceber a doença, portanto, costuma ser um sintoma da própria esquizofrenia.
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a grande maioria das pessoas com esquizofrenia não é agressiva, sendo, com mais frequência, mais vitimizadas do que aquelas da população em geral.
A prevalência da esquizofrenia ao longo da vida parece ser de 0,3% a 0,7%. A evolução parece favorável em cerca de 20% das pessoas com esquizofrenia e um número pequeno de indivíduos parece ter recuperação completa, mas há muitos que ainda necessitam de apoio de algum tipo, ao longo da vida. Os sintomas psicóticos tendem a diminuir com o passar do tempo, talvez em associação ao declínio normal nas atividades observado com o envelhecimento.
Apesar de ainda haver casos que resistem ao uso dos medicamentos, atualmente as pessoas que têm esquizofrenia contam com remédios e estratégias terapêuticas não medicamentosas que permitem conquistar uma vida bastante próxima da normal, com a retomada de atividades de trabalho e vida pessoal satisfatória. Contamos, hoje, com a ajuda de protocolos de conduta mundialmente reconhecidos.
Para que haja uma boa evolução, no entanto, é essencial o início precoce do tratamento e que este não vise apenas o uso de medicamentos (leia também o nosso post Esquizofrenia e fatores ambientais).
Texto escrito por:
• Anny Karinna P.M. Menezes – Médica Psiquiatra e Analista do Comportamento
CRM 89012 - RQE 29874